Informe

ROBERTO M. MOURA – ATUALIDADE E PERMANÊNCIA


Roberto M. Moura (1947-2005)
Roberto M. Moura

Roberto M. Moura (1947-2005) foi jornalista, crítico musical, mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, doutorando em Música pela UNIRIO, apresentador e roteirista de programas culturais da TV Educativa e amigo da AMAR/SOMBRÁS. Em 1999 conquistou o título de doutor em música na UNIRIO com a tese “A TV e a trilha sonora do Brasil”. O texto a seguir é uma condensação dessa tese, feita a partir de condensação anterior, generosamente oferecida para publicação no “Jornal da AMAR”, quando ainda o tínhamos em nosso convívio.

A TV E A TRILHA SONORA DO BRASIL

(Roberto M. Moura – 1999)

Há uma contradição entre a música popular que se produz no Brasil hoje e aquela que é massificada, principalmente através dos meios eletrônicos de comunicação. Mas, independente disso, é preciso fugir de um suposto bom-gostismo ou cair nas armadilhas da subjetividade para afirmar a superioridade criativa de uma música, ou um gênero, sobre os demais.

O que busco é a demonstração técnica, científica e empírica de que há uma degenerescência no gosto musical médio do ouvinte brasileiro em relação a três décadas atrás. Ou seja: a de que este gosto musical médio já foi capaz de detectar e sensibilizar-se com harmonias mais elaboradas do que os simples acordes perfeitos maiores que hoje infestam a programação do rádio e da tevê. Uma coisa é a música popular. Outra, a sua comercialização pela sociedade industrial. Autores tipicamente populares, como Maurício Carrilho, Joel Nascimento e Pedro Amorim, que faziam aulas de aperfeiçoamento e se apresentavam com Radamés Gnatalli, são autores de dezenas de músicas absolutamente populares, entre sambas e choros, mas que permanecem inéditas. Para entender o que acontece é preciso verificar que o negócio da música se apoia num tripé: produção, divulgação e distribuição.

Dois desses pés dependem das grandes gravadoras: a produção e a distribuição. A criação, a música em si, nesse caso é mera matéria-prima. Ao passar pelo filtro da gravadora, deixa de ser objeto para ser produto musical.

Se a televisão é o instrumento da cultura de massa de maior penetração no Brasil, territorial e psicologicamente, então é perfeitamente possível acompanhar a evolução da nossa música popular através de sua relação ambígua com este veículo hegemônico, do que ela busca ou rejeita na música popular, no modo com que tenta interferir no seu processo ou nas escolhas do povo brasileiro.

Derrubada a ditadura, em 1985, o processo de redemocratização do nosso país parece ter sepultado não apenas a censura, mas qualquer possibilidade de controle ou atuação do Estado no panorama das artes nacionais. Esse processo tornou-se mais visível a partir de 16 de março de 1990, quando o presidente Fernando Collor extinguiu, de uma só penada, todos os órgãos que fomentavam a política cultural brasileira: Embrafilme, Funarte, Inacen e Pró-Memória.

O produto cultural desses órgãos representava um contraponto à voracidade da “cultura” divulgada pela cultura de massa. E o fato objetivo é que o Estado se ausentou da discussão. Não gerencia órgãos que fomentem de modo claro e perceptível uma política cultural, não atua de forma protecionista para podar os excessos do mercado nem estimula a ampliação dos espaços onde novas propostas de expressão estética possam se desenvolver. Mesmo o espaço universitário foi sacrificado, com redução das verbas, diminuição de bolsas e uma sistemática campanha que desestabiliza as universidades federais. É tendo este quadro por pano de fundo que a tevê brasileira chegou onde chegou.

No Brasil, a televisão (ela, uma mídia que atua fora de qualquer controle) tornou-se o veículo fundamental de massificação desse controle [cientificamente feito por tecnologias cada vez mais sofisticadas] – notadamente a partir dos governos militares, entre 1964 a 1985, quando o desenvolvimento das telecomunicações tornou-se estratégico. Mais que estratégico: pré-requisito de um projeto político.

Certo, mas é indispensável precisar a natureza destas mudanças, perceber se elas ocorrem com naturalidade dentro do processo social ou se são precipitadas por uma “realidade” muito menos comprometida com a música propriamente dita que com os postulados econômicos e midiáticos que regem hoje o negócio musical no mundo.

Entre nós, os que detém os poderes televisivo e radiofônico tornam-se imediatamente arautos da liberdade diante da denúncia de qualquer abuso – e mesmo os setores progressistas parecem acreditar que qualquer tipo de controle que venha a ser exercido pela sociedade possa significar uma ameaça de recrudescimento da censura.

Mais que uma resposta simples, o que as relações entre a música popular e a televisão reclamam é uma compreensão mais nítida do papel que essas relações desempenham ou devem desempenhar na construção do ethos nacional. Até porque a esfera pública sabe o peso que a televisão tem, como se percebe na frase que fecha este trabalho e não parte de nenhum empresário da tevê aberta, nem de nenhum representante da emissora líder de audiência no país. O dono da frase é o presidente da Fundação Padre Anchieta, o homem, portanto, que dirige a TV Cultura/SP, Jorge da Cunha Lima. […]:

– No Brasil, a tevê forma os desejos, os hábitos de civilidade e até o estilo de afetividade das pessoas de forma irresistível. A tevê é o grande formador da alma do homem brasileiro.


Nº 133 | 10/01/17 | Pág. 4

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀